Jogos de Tabuleiro como Sistema
11.01.2022
5min de leitura
Livros e jogos
Em 1959 o crítico literário Antonio Candido escreveu Formação da Literatura Brasileira – Momentos decisivos. Neste livro essencial, Cândido mostra ao leitor um conceito interessante sobre a Literatura Brasileira: os primeiros livros produzidos no Brasil datam do século XVI, mas a literatura brasileira só nasceria 200 anos mais tarde.
Para Cândido, um livro isolado não constitui uma literatura nacional. Entre os séculos XVI e XVII, foram feitos poemas e crônicas nas principais cidades da colônia portuguesa na América – o Brasil foi uma colônia até 1822 -, mas na realidade não criaram um Sistema Literário.
O Sistema Literário é um conceito no qual podemos encontrar três pilares: escritores, leitores e mecanismos de transmissão. Os escritores precisam estar conscientes do seu papel na cultura; os leitores são receptores da arte e é possível dividi-los em diferentes tipos de público; os mecanismos de transmissão são o estilo e a linguagem comum que liga escritores e leitores.
A produção, o consumo e a criação de uma linguagem comum entre os artistas e o público são a base do Sistema Literário. Sem produção, temos apenas um grupo de consumidores numa posição passiva; sem consumo, os criadores não conseguem dialogar com o público para fazer uma obra de arte original; sem linguagem comum, provavelmente encontraremos uma tentativa de cópia das ideias externas.
E como isto se relaciona com os jogos de tabuleiro?
Três elementos conectados
O conceito de Sistema Literário é um bom método para compreender a produção cultural e, na minha opinião, podemos extrapolar a ideia para os Jogos de Tabuleiro.
Ao contrário da escrita de um livro, a produção de jogos de tabuleiro é uma obra coletiva. Para publicar um jogo de tabuleiro precisamos de um grande número de profissionais envolvidos no processo: designers de jogos, artistas, editores e muitos outros. Devido a isso, no Sistema de Jogos de Tabuleiro o lugar dos escritores é ocupado por editoras e estúdios.
À semelhança dos leitores, os jogadores podem ser divididos em diferentes tipos de público. Há aqueles que estão satisfeitos em jogar com os seus amigos e família. No entanto, é cada vez mais comum encontrar jogadores que partilham as suas opiniões e críticas em fóruns como o BGG ou em um canal do YouTube. É uma parte fundamental do Sistema e reforça a ligação entre o público e as editoras.
Para os jogos de tabuleiro, os mecanismos de transmissão são a criação de uma linguagem comum para se comunicar. Se você utilizar termos como controle de área, construção de baralho ou alocação de trabalhador, os jogadores e designers de jogos de todo o mundo compreendem o conceito principal do qual você está falando. Os temas também fazem parte deste mecanismo de transmissão: a popularidade de certos universos temáticos como agricultura, fantasia espacial ou castelos medievais cria um solo comum entre editores e jogadores.
Sistema Brasileiro de Jogos de Tabuleiro
Se pensamos nos Jogos de Tabuleiro como um Sistema, surge uma questão importante: existe um Sistema Brasileiro de Jogos de Tabuleiro?
É uma pergunta complicada, porque podemos encontrar jogos produzidos no Brasil, mas será possível dizer que são jogos brasileiros?
Com certeza temos dois dos três elementos presentes num Sistema: consumo e produção.
Desde o início do século XXI conseguimos encontrar no Brasil os jogadores. Seu número cresce ano após ano, criando um mercado ativo e sedento de lançamentos e de novos produtos.
O sucesso de jogos como Cartógrafos, Paper Dungeons e Brazil: Imperial atesta a entrada de editoras e designers de jogos brasileiros no papel dos produtores no sistema.
E os mecanismos de transmissão? Esta é uma questão complicada.
Em geral, usamos os termos e ideias dos criadores de jogos europeus ou americanos para pensar nos nossos produtos. A utilização de categorias como eurogame ou ameritrash é um importante sinal de aviso: talvez só estejamos reproduzindo a lógica dos grandes centros aqui no nosso mercado periférico. Neste caso, não criamos nada original, apenas cópias sem criatividade ou inovação.
Por outro lado, os jogos de tabuleiro modernos surgiram num mundo conectado e bastante diferente daquele no qual se viu o nascimento das literaturas nacionais. Os jogos de tabuleiro são publicados em muitas línguas ao mesmo tempo, e precisam se comunicar com diferentes públicos e contextos ao mesmo tempo.
Hoje em dia os criadores e editores de jogos brasileiros procuram novas formas de integrar esta comunidade internacional num papel mais ativo, ao mesmo tempo em que não deixam de lado o contato e o diálogo com os jogadores brasileiros.