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Glyptodon

O que a paisagem nos diz

17.02.2022

5min de leitura

Jogos de tabuleiro e paisagem

Todos possuem uma relação com a paisagem. Para os geógrafos, a paisagem é o termo usado para designar o espaço geográfico que nós percebemos com nossos sentidos como visão, audição e olfato. Elementos arquitetônicos, como prédio, e naturais, como colinas e rios, compõem a paisagem e criam algo único.

A paisagem é uma mistura de aspectos culturais e naturais. Em uma relação dialética, a paisagem influencia os habitantes de um lugar e ao mesmo tempo é influenciada pelas pessoas: em muitos países, a paisagem é parte vital da identidade nacional.

É comum vermos game designers escolherem paisagens famosas em seus trabalhos: Maracaibo,de Alexander Pfister, Luxor, de Rudiger Dorn, e Marrakech, de Stefan Feld, são jogos de tabuleiro bem sucedidos que levam no título o nome de lugares famosos.

Esses três jogos possuem uma outra característica em comum: eles são sobre cidades fora da Europa, mas seus autores são europeus. 

Jogos brasileiros, paisagem e estereótipos

Muitas vezes aqui no Glyptodon Game Studio nós conversamos sobre procurar temas brasileiros. Somos um estúdio fora dos locais centrais da indústria, em um país de terceiro mundo que vive uma crise política e social. Chamar a atenção para o nosso trabalho é uma tarefa complicada e os temas brasileiros são uma estratégia para oferecer produtos exóticos para empresas estrangeiras.

Brazil Imperial é um exemplo dessa lógica: talvez o grande trabalho artístico e o design balanceado não chamassem a atenção em um jogo sobre a França Napoleônica ou sobre famílias nobres na Itália do Renascimento.

Por outro lado, se selecionarmos apenas projetos com “temas brasileiros” surge no horizonte o risco de reproduzirmos estereótipos sobre o país.

Por exemplo: se criássemos um jogo sobre a BM&FBOVESPA, a mundialmente famosa bolsa de valores localizada em São Paulo, muitos jogadores mundo afora não associariam o lugar a ideia de Brasil que eles possuem. Outro exemplo ilustrativo seria um jogo a respeito de Grande Sertão: Veredas, simplesmente o livro brasileiro mais importante do século XX, mas que não apresenta praias, florestas tropicais ou samba, em outras palavras, uma paisagem bem distante do estereótipo sobre a natureza do Brasil. 

Frente a esse dilema nós tentamos adotar um caminho intermediário: Luna Maris é sobre exploração mineral na Lua e se apresenta um tema mais “universal”; Eletrika trata de hidroelétricas e mostra diversas referências a paisagens brasileiras. 

Um brasileiro pode fazer um jogo sobre a Europa?

Você pode encontrar jogos de tabuleiro brasileiros que obtiveram sucesso ao tratar de temas europeus, como Cartógrafos e Paper Dungeons, dois títulos que usam um pano de fundo medieval fantástico, mas ainda não achamos jogos sobre paisagens na Europa ou na América do Norte.

A ideia vai parecer estranha ou sem originalidade para os desenvolvedores de uma editora. Se eles gostarem do núcleo mecânico, o game designer poderá receber um conselho gratuito “escolha uma cidade no Brasil e temos um acordo para publicar um jogo… precisamos ser originais.”

Um game designer brasileiro se dedicando para criar um jogo sobre Dublin, ou qualquer outra cidade europeia, está distante nesse momento. Talvez tenhamos um longo caminho para estabelecer nosso game design antes de publicar jogos sobre lugares em outros países ou continentes.

Por último, à guisa de provocação, deixo aqui as sábias palavras de Jorge Luis Borges, o mais famoso escritor argentino do século XX, sobre a importância das características nacionais em seus contos e poemas.

Em 1951 Borges escreveu o ensaio “O escritor argentino e a tradição”. Se referindo ao profeta islâmico Mohammed, o escritor notou que “no livro árabe por excelência, o Corão, não existem camelos” pois “[Mohammed] sabia que ee podia ser árabe sem os camelos”. “Um verdadeiro nativo pode e deve dispensar a cor local”.